Peço licença aos machos da Casinha para uma colaboração de caráter feminino, não pelo tal "Dia das Mulheres", que se aproxima, nem por qualquer outra razão que a periodicidade alienada de um veículo midiático "profissional" pudesse exigir - afinal, este blog já nasceu desapegado disto.
Ontem fui tocada por um texto que poderia ter passado batido na caixa de emails, mas me impressionou por concretizar definitivamente ideias que circulam "nas cucas maravilhosas dos cabelos encaracolados" de pessoas como as que frequentam a Casinha. É de se aplaudir quando alguém consegue, tão bem, colocar sentimentos que inquietam nosso dia-a-dia, como alcançou a escritora gaúcha Martha Medeiros nesse texto que vocês lerão.
E embora vocês, machos, talvez não se deparem com algumas das questões que ela coloca, certamente se deparam conosco mulheres todos os dias. Logo, aproveitem também. Pois, além disso, o Tempo que ela evoca na mensagem alimenta a alma sem distinção de gênero. Amem!
Naroca
MISS IMPERFEITA
Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes.
Sou a Miss Imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, decido o cardápio das refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana - e as unhas!
E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.
Culpa por nada, aliás. Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros.
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora.
Você é, humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante.
Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável.
É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias!
Tempo para uma massagem.
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada.
Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.
Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que se lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir dessa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar tem um custo.
Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.
Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.
E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.
(Martha Medeiros)
Muito bom o texto Narocks! Acho que se aplica a tudo e a todos. Exceto pela parte da escova, fazer as unhas , mac e etc.
ResponderExcluirCurti mesmo.
Ahaza gata!
ResponderExcluirdelirei. eu sempre fui desse partido. aliás me coloco no mundo como agente dessa mudança. perca seu tempo comigo e seja feliz./ não vá trabalhar hj de manhã./ ...
E digo mais! Acho que fazer essas coisas é uma das formas mais potentes de subversão nos dias de hoje. Subverter o sistema, o capital, na sua base. É um estilo de vida que acredito e que estou vivenciando. Trabalho pouco, ganho pouco, gasto pouco e me divirto muito. Equação boa é essa!
Venda o carro. Vai de bike. Durma até meio dia com a sua namorada. (de vez em quando pra nao perder o emprego) kkkk
sacou?
abraço bene
Que bom que gostaram muchachos!
ResponderExcluirBenedito, eu gostei foi justamente disso, da forma como ela é política E contra-hegemônica sem ser panfletária...
Pra quem não pescou do título, vale a pena ouvir de novo:
és um senhor tão bonito / quanto a cara do meu filho /
tempo tempo tempo tempo/ vou te fazer um pedido"
(...)
AMEI ESSA EQUAÇÃO!
Gostei demais.
ResponderExcluirUma sacudita e tanto essa,
vou repassar, brigada.